Felipponea iheringi
by Fábio André Faraco |
This document is part of a master dissertation on the Federal University of Rio Grande do Sul UFRGS department of Zoology, laboratory of Malacology, with orientation of Dr. Profa. Inga L. Veitenheimer Mendes.
Introdução
O gênero Felipponea atualmente está representado por três espécies,
todas registradas para a bacia do rio Uruguai: a espécie-tipo F. neritiformis
(Dall, 1919), localidade tipo rio Uruguai, departamento de Paysandú, República
Oriental do Uruguai; F. elongata (Dall, 1921), localidade-tipo a mesma
da espécie-tipo; F. iheringi (Pilsbry, 1933), localidade-tipo "rápidos
de Butni", rio Uruguai, Rio Grande do Sul, Brasil.
As espécies do táxon Felipponea estão restritas, à Bacia do rio Uruguai
abrangendo Argentina, Brasil e Uruguai (Castellanos & Fernandez, 1976).
Banco de cascalho, sul da Ilha de Santa Luzia, São Borja, RS, BR. (Local-tipo de Felipponea iheringi). |
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Os exemplares vivos, tanto jovens como adultos, foram encontrados nos remansos,
locomovendo-se sobre o cascalho a, no máximo, 20cm de profundidade. O substrato,
naqueles locais é constituído de pequenos seixos, medindo, cada um, entre 6
e 15 cm de comprimento. Na coleta do mês de dezembro, logo após um período de
muita chuva que resultou em grandes cheias, o fundo dos remansos apresentava
uma fina camada de lama.
A água dos remansos, durante as duas coletas (janeiro e dezembro/2000), quanto
à temperatura variou entre 25º e 28º C; o pH foi de 6,9; a correnteza muito
fraca ou nula (remansos) e a vegetação marginal composta quase que exclusivamente
por sarandis (Sebastiana schottiana).
A fauna acompanhante, representada por espécies de moluscos gastrópodes e bivalves,
encontrada nos mesmos locais de coleta dos exemplares de feliponeas foi: Asolene
megastoma (Sowerby, 1825) (Ampullariidae), principalmente entre as raízes
dos sarandis, em abundância; Pothamulitus sp. (Hydrobiidae), sobre ou
sob as pedras, próximos à margem, em grandes quantidades; Chilina sp.
(Chilinidae), sobre as pedras junto à entrada dos remansos, mais abundantes
em áreas com correnteza, em pequeno número; Corbicula fluminea (Corbiculidae),
encontradas tanto nos remansos quanto em áreas mais expostas à correnteza, em
abundância; Diplodon sp. (Hyriidae), apenas um exemplar vivo adulto foi
encontrado entre as pedras.
Caracterização da concha
Conchas com paredes espessas, mostrando-se mais grossas nos exemplares de maior tamanho; volta do corpo oval a cônica globosa; espira baixa, porém proeminente, com duas a três voltas; ápice presente, porém erodido tanto em adultos como em jovens; abertura oval, peristômio inteiro, lábio externo engrossado com a borda cortante, apresentando-se refletido nas conchas de maior tamanho, ornado por bandas transversais castanho escuras presentes em jovens e adultos; a parede interna das conchas com animais vivos mostra-se porcelanizada, tornando-se opaca nas conchas roladas; umbílico varia de quase obliterado até bem evidente; perióstraco variando do oliva ao alaranjado, com cor predominante "O" (= amarelado) e luminosidade de 2 a 11 , com grau cromático de 2 a 12, bandas transversais de cor castanho escura, evidentes nas áreas de parada do crescimento (= repouso).
Protoconcha erodida de Felipponea iheringi ao MEV. Barra representa 0,162 µm. |
Conchas de Felipponea iheringi jovens mostrando a variação de formas e cores encontradas no material-tipo. |
Conchas de Felipponea iheringi mostrando a variação de formas, cores e do umbílico encontradas na população de topotipos. |
Caracterização da rádula
A rádula do tipo taenioglossa 2.1.1.1.2, apresenta coloração levemente amarelada; com 27 e 30 fileiras de dentes.
Vista geral de rádula de Felipponea iheringi. Barra= 90 µm. |
Detalhe da rádula de Felipponea iheringi. dl, dente lateral; dm, dente marginal; raq, dente raquidiano. Barra= 64 µm. |
Morfologia das partes moles
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Corpo de cor geral creme com pigmentos alaranjados; o manto (m), na região da volta do corpo, é de cor creme, com manchas e listras longitudinais cinza escuras, e borda pigmentada de cor laranja forte; manchas presentes nas voltas da espira; Lóbulos nucais direito (lnd) e esquerdo (lne), de mesmo tamanho, não ultrapassando a borda da concha. Cabeça com uma par de tentáculos (te) longos, de cor castanho escuro, extremamente elásticos, podendo, quando distendidos, chegar a 2/3 do tamanho da concha; olhos (ol) situados em expansões junto à base dos tentáculos (te); palpos labiais (pa) curtos e móveis de cor castanho escura. O pé (p), de cor alaranjada com bordas mais escuras; região anterior de formato retangular, estreitando em direção à região posterior onde se apresenta lanceolado; na borda frontal da região anterior há um sulco transversal. As características externas das partes moles, tanto na forma geral quanto na cor, são as mesmas para machos e fêmeas.
Comportamento
Felipponea iheringi adulta, mantida em aquário, alimentando-se de uma folha de alface. |
A observação, de exemplares de F. iheringi mantidos em aquário, se caracterizou
por dois aspectos comportamentais: de movimento (alimentação, corte, etc.) e
de imobilidade. Durante os meses de maio a setembro, com temperaturas variando
entre 12 e 22ºC, as feliponeas mantiveram-se semi ou totalmente enterradas no
substrato de fundo do aquário, quando raramente eram observadas alimentando-se.
No período de 10 a 13 de setembro, temperatura de 20º C, e entre os meses de
outubro a dezembro de 2000, pode ser observado uma maior atividade. Tal atividade
mostrou-se mais intensa quando do oferecimento de alimento - alface ou repolho:
deslocavam-se, lentamente, até junto à folha de alface ou repolho na superfície
da água, com o pé agarravam-se a mesma começando a comer; quando o peso fazia
com que o animal e folha caíssem em direção ao fundo, a feliponea continuava
se alimentando.
Entre setembro e outubro, observou-se comportamento reprodutivo (cópula), o
macho mostrou-se muito ativo, percorrendo o aquário e parando apenas para copular.
Era possível visualizar, junto à borda do manto, a bainha do pênis intumescida.
O macho iniciava a "corte" tateando a fêmea com os tentáculos por um período
que variou de 5 a 20 min para, após, extroverter lentamente a bainha do pênis,
da esquerda para a direita, introduzindo aproximadamente 2/3 de seu comprimento
na cavidade palial da fêmea, próximo à região cefálica da mesma. Os animais
permaneciam em cópula por períodos de 20 a 40 minutos. Durante a atividade de
cópula, observada entre as 8h e 18h, a temperatura variou de 23 e 24,5ºC, com
um pH de 7,3. Não ocorreu postura após o período que se seguiu à cópula.
Postura em laboratório
Na manhã do dia 07 de abril observou-se uma massa ovígera presa ao vidro do
aquário, localizada a 30 centímetros da superfície da água e a 10 centímetros
do sedimento de fundo. A postura, medindo 5,5 centímetros de comprimento x 3
cm de largura x 1,2 cm de espessura, se apresentava como uma massa gelatinosa
incolor e transparente, no interior da qual havia cerca de 100 ovos arredondados
de cor vermelho-alaranjado e cujo diâmetro variou entre 3 e 4 milímetros. Naquela
data, encontravam-se no aquário cinco exemplares de F. iheringi - três
fêmeas e dois machos.
No dia 10 de abril, sob lupa, foi possível observar o batimento cardíaco dos
embriões e o inicio de desintegração da massa ovígera.
No dia 17 de abril, às 14horas, ocorreu o nascimento dos primeiros exemplares
que, inicialmente, permaneceram junto à massa ovígera alimentando-se de ovos
que não apresentaram desenvolvimento. Após dois ou três dias, quando a massa
ovígera estava desintegrando-se, os jovens caiam em direção ao fundo do aquário,
misturando-se com o sedimento. Passada uma semana do nascimento, os jovens não
foram mais localizados.
Postura (5,5cm de comprimento x 3cm de largura), de Felipponea iheringi. |
Postura de Felipponea iheringi, com 10 dias de desenvolvimento. |
Felipponea iheringi recém eclodida (aproximadamente 1 dia de vida). |
(c) 2001 Fábio André Faraco,
Brasil |